O caos estava se instalando
naquela família e ninguém notava tais drásticas mudanças. Nem todos, pois ele,
o mecânico Flaviano já há muito tempo acompanhava com seu olhar atento, aquilo
que aos outros passava despercebido.
Lembrava
Flaviano, que até meia dúzia de anos atrás, qualquer data, fosse aniversário,
batizado, jogo de futebol, e outras tantas datas que não tinham significado
nenhum, era pretexto para um bom churrasco regado a cerveja gelada em família.
Frio e chuvoso? Um bom churrasco para
descontrair.
A matriarca
torceu o tornozelo? Lá ia a família fazer um bom churrasco na casa dela, para
que não se sentisse aborrecida.
O Grêmio
perdeu? Churrasco para ressuscitar os imortais.
O Grêmio
ganhou? Um bom churrasco, pois a alegria deles é tão rara que vale a pena ver
seus semblantes alegres.
Muitas e tantas
reuniões... Não passava uma semana sem que o cheiro da carne assando não saísse
pela chaminé da casa de um dos viventes da família Gimenchini.
Não fugindo às
suas responsabilidades, lembra Flaviano, que em sua casa, a esposa Josefina há
alguns meses iniciou uma dieta das brabas, logo ela que é uma excelente
cozinheira, e fazia pratos deliciosíssimos, e com a tal dieta, legumes,
verduras, sucos estranhos e sopas esquisitas invadiram sua geladeira. Tem dias
que o mecânico acredita que seus dentes estão amolecendo pela falta de uso em
comidas mais consistentes. Não fosse algumas fugidinhas ao restaurante da
esquina, na ânsia de matar seu instinto carnívoro, com certeza seus dentes
perderiam a razão de continuar na arcada dentária.
Seu filho mais
velho Pedrilo eletricista, e sua nora Jucelina secretária numa banca advocatícia,
adoram um carne bem assada. Isto que Jucelina, que é sulmatogrossense, descendente
de Sansei ou Nãosei, adepta a dieta de vegetais, ao se transferir para o Rio
Grande, adotou imediatamente a dieta carnívora como complemento de sua alimentação
herbívora. E é hoje uma grande incentivadora do churrasco.
Seu cunhado,
arquiteto Gledson, diga-se de passagem o melhor assador da família, e sua irmã
Rosalvia, também arquiteta, já de alguns anos vinham diminuindo suas
participações nas reuniões da família, e com sua ausência, até hoje ainda não conseguiram um assador a
altura para substituí-lo. O casal achou por bem um exílio unilateral, e lembra
o mecânico, foi o primeiro baque nas reuniões carnívoras. Salva-se nessa
família sua filha Luizadora. Mas, infelizmente encontra-se em curso no
exterior, sonhando com um bom assado em família.
Seu outro
cunhado, Nortoélio, pintor automotivo, conseguiu um emprego novo em Cacimbinha,
á 60Km de Bagé, e pouco tempo tem para reuniões semanais. Logo ele que é um
carnívoro por excelência e incentivador de um bom assado, agora praticamente se
faz presente somente e alguns finais de semana. Sua irmã Tanimara, esposa de
Nortoélio, sempre foi carta fora do baralho no quesito comer carne. Sempre na
defesa dos animais, acredita que o mundo será melhor se a humanidade não comer essa
guloseima vermelha. Imaginem o consumo de verduras e legumes se o povão deixar
de comer carne e direcionar seus apetites aos verdes insonsos? Tanimara,
co-fundadora do núcleo de proteção aos
animais; presidente da sociedade de proteção aos répteis, vice-presidente e
fundadora da associação dos salvadores dos insetos, aracnídeos e participante
da AMDPQBCPAEDDTDTETGDG, (Associação
Mundial dos Pesquisadores Que Buscam Culpados Para A Extinção Dos Dinossauros,
Tigres Da Tasmânia e Tartaruga Gigante de Galápagos), atualmente, uma das
maiores estimuladoras do fim do consumo de churrasco na família, agora obteve o
apoio de sua filha mais nova, que mora no exterior, no norte da Groelândia, a
jovem Milecana, que retornou esta semana para uma visita a família, e chega
brandando a quatro ventos que virou vegetariana. Só faltava essa agora, mais
uma doida para nos encher os ouvidos com o papo de não matar os boizinhos e
ficarmos sem carne, pensa o mecânico Flaviano.
Da família do
Nortoélio, salvam-se sua filha Renalia e seu esposo Ferdinando, ela cozinheira
e ele garçon, em Cacimbinha, 60Km de Bagé. Ambos adoram um bom churrasco junto
a família. Mesmo nos últimos tempos Renalia estando numa dieta, não foge de uma
carne bem assada, nem deixa de incentivar as reuniões afins. Dizem até que o
neto do Nortoélio, Francimilo, filho de Renália e Ferdinando, chora quando
passa mais de dois dias sem comer carne. Com isso já se tornou ídolo da
novíssima geração dos Gimenchini.
Em Curitiba
moram a irmã mais nova Andressa, e seu marido Richarlisson, ambos bancários, e
seus dois filhos Joaquim e Tiagleto. Fazem parte da turma Sangue Bom, adoram um
bom churrasco em família. O azar da família é o fato dessa turma morar tão
longe, e pouco tempo poder dispensar à terra e incentivarem a degustação da
mais tradicional comida da fronteira gaúcha.
Tradição esta,
que aos poucos o mecânico Flaviano sente estar acabando, e sofre para tentar
recuperar o tempo perdido. Aqueles “inimigos” de trincheira não entendem que a
carne assada é o melhor motivo até hoje arranjado para que todos possam se
reunir.
Seu pai, o
cacique Dariomar , pensa Flaviano, não passa um dia sem pedir o esquecido
churrasco. Como esteio da família, dentro da sua simplicidade, mas com profunda
consciência de que é a melhor maneira de ver seus filhos, genros e netos juntos
comungando alegria e união, insiste diariamente pelo churrasco. Pena que não
entendam o real motivo de sua insistência.
Sua mãe, Lourdézia,
como boa geminiana, sempre no afã de agradar “gregos e troianos”, dá força para
os carnívoros e incentiva os não carnívoros. Só podia ser gremista pensa
Flaviano, Colorado fanático.
O mecânico
Flaviano sofre com isso, já pensou até em pedir a esposa Josefina, que é
formada em informática, e entende muito de computador, para que faça um vídeo com
as fotos dos últimos 10 anos das reuniões, aniversários e outras datas, 90%
delas foram com degustação de um bom churrasco, e todas foram maravilhosas e
divertidas. Quer tentar provar aos que estão desertando do seio familiar, que o
churrasco é o elo que une esta família.
Flaviano não
consegue entender que, quando programavam um churrasco, a quantia de carne por
cabeça era acima da média. Mas como? Se 45% da família branda aos quatro ventos
não gostar de churrasco, por que a média de consumo continuar alta? Seria somente
uma intriga da oposição dos 45%? Seriam eles do contra?
Dois churrascos por mês seriam suficientes
para prejudicar a saúde em comparação aos 28 dias restantes do mês em que cada
um tem seu livre arbítrio para comer o que querem? Existe uma ala da oposição
que não quer mais se reunir?
Flaviano não
sabe a resposta, mas depois de muito pensar chegou a conclusão que ELE vai
seguir fazendo o convite junto com seu pai Dariomar para uma boa reunião regada
a churrasco. Aqueles que quiserem participar serão bem vindos. Os que acham que
a degustação de carne é coisa do passado, dos homens da caverna, que o mundo
atual requer legumes, sopas, papas de coloração horrível e gostos pior ainda,
regados a papos cabeça, filosofia sobre a origem e destinos do mundo, divagação
pura da origem da Maionese, serão compreendidos e aceitos sem problemas. Com a ressalva
que NÃO FAÇAM PROPAGANDA CONTRA OS CARNÍVOROS, DEIXE-OS COM SUAS REUNIÕES
MARAVILHOSAS E ALEGRES...
VIVA O
CHURRASCO.
VIVA A REUNIÃO
DE FAMÍLIA REGADA A CHURRASCO, COM OU SEM MOTIVO.
Até o próximo
se Deus quiser ou tiver carne assada....